Há trinta anos, os adolescentes encontravam o  sexo oposto em bailes de salão organizados por clubes, igrejas ou pais  responsáveis preocupados com o sucesso reprodutivo de seus rebentos.
 Na dança de salão o homem tem uma série de  obrigações, como cuidar da mulher, planejar o rumo, variar os passos, segurar  com firmeza e orientar delicadamente o corpo de uma mulher. Homens levam três  vezes mais tempo para aprender a dançar do que mulheres. Não que eles sejam  menos inteligentes, mas porque têm muito mais funções a executar. Essa  sobrecarga em cima do homem permite à mulher avaliar rapidamente a inteligência  do seu par, a sua capacidade de planejamento, a sua reação em situações de  stress. A mulher só precisa acompanhá-lo. Ela pode dedicar seu tempo  exclusivamente à tarefa de avaliação do homem.
 Uma mulher precisa de muito mais informações do  que um homem para se apaixonar, e a dança permitia a ela avaliar o homem na  delicadeza do trato, na firmeza da condução, no carinho do toque, no  companheirismo e no significado que ele dava ao seu par. Ela podia analisar como  o homem lidava com o fracasso, quando inadvertidamente dava uma pisada no seu  pé. Podia ver como ele se desculpava, se é que se desculpava, ou se era do tipo  que culpava os outros.
 Essa convenção social de antigamente permitia  ao sexo feminino avaliar numa única noite vinte rapazes entre os 500 presentes  num grande baile. As mulheres faziam um verdadeiro teste psicológico, físico e  social de um futuro marido e obtinham o que poucos testes psicológicos revelam.  Em poucos minutos conseguiam ter uma primeira noção de inteligência,  criatividade, coordenação, tato, carinho, cooperação, paciência, perseverança e  liderança de um futuro par.
 Infelizmente, perdemos esse costume porque se  começou a considerar a dança de salão uma submissão da mulher ao poder do homem,  porque era o homem quem convidava e conduzia a mulher.
 Criaram o disco dancing, em que homem e mulher  dançam separados, o homem não mais conduz nem sequer toca no corpo da mulher.  O som é tão elevado que nem dá para conversar, os  usuais 130 decibéis nem permitem algum tipo de interação entre os  sexos.
 Por isso, os jovens criaram o costume de  "ficar", o que permite a uma garota conhecer, pelo menos, um homem por noite sem  compromisso, em vez de conhecer vinte rapazes numa noite, também sem  compromissos maiores.
 Pior: hoje o primeiro contato de fato de um  rapaz com o corpo de uma mulher é no ato sexual, e no início é um desastre.  Acabam fazendo sexo mecanicamente em vez de romanticamente como a extensão  natural de um tango ou bolero. Grandes dançarinos são grandes amantes, e não é  por coincidência que mulheres adoram homens que realmente sabem dançar e se  apaixonam facilmente por eles.
 Masculinizamos as mulheres no disco dancing em  vez de tornar os homens mais sensíveis, carinhosos e preocupados com o trato do  corpo da mulher. Não é por acaso que aumentou a violência no mundo,  especialmente a violência contra as mulheres. Não é à toa que perdemos o  romantismo, o companheirismo e a cooperação entre os sexos.
 Hoje, uma garota ou um rapaz tem de escolher o  seu par num grupo muito restrito de pretendentes, e com pouca informação de  ambas as partes, ao contrário de antigamente.
 Eu não acredito que homens virem monstros e  mulheres virem megeras depois de casados. As pessoas mudam muito pouco ao longo  da vida, na realidade elas continuam a ser o que eram antes de se casar. Você é  que não percebeu, ou não soube avaliar, porque perdemos os mecanismos de  antigamente de seleção a partir de um grupo enorme de possíveis  candidatos.
 Fico feliz ao notar a volta da dança de salão,  dos cursos de forró, tango e bolero, em que novamente os dois sexos dançam  juntos, colados e em harmonia. Entre o olhar interessado e o "ficar"  descompromissado, eliminamos infelizmente uma importante etapa social que era  dançar, costume de todos os povos desde o início dos tempos.
 Se você for mãe de um filho, ajude a  reintroduzir a dança de salão nos clubes, nas festas e nas igrejas, para que  homens aprendam a lidar com carinho com o corpo de uma mulher.
 Se você for mãe de uma filha, devolva a ela a  oportunidade que seus pais lhe deram, em vez de deixar sua filha surda, casada  com um brutamontes, confuso e isensível idiota.
 Stephen Kanitz é administrador por  Harvard (www.kanitz.com.br) 
  Editora Abril, Revista Veja, edição 1877, ano 37, nº 43,  27 de outubro de 2004, página 22